Uma das mudanças mais curiosas que a catequese vem sofrendo hoje é que ela deixa de ser preparação para os sacramentos e torna-se caminhada de discipulado: uma catequese permanente. A pessoa entra na catequese não mais para fazer primeira comunhão ou crismar, mas para conhecer Jesus e se tornar seu amigo, seu discípulo. A primeira comunhão e a crisma, sacramentos da vida cristã, tornam-se marco importante nesta jornada de seguimento, mas deixam de ser um fim em si mesmo. São consequência da vida em Cristo, sinais da nossa amizade e comunhão com ele.
Muita gente pode se perguntar o porquê dessa mudança. Será
que a Igreja vinha fazendo catequese de forma errada e agora resolveu
consertar? Certamente que não se trata disso. Não é uma questão de catequese
certa ou errada, mas de modo mais ou menos apropriado de catequizar, que muda
de acordo com o tempo. Quando éramos crianças, éramos batizados pequenininhos,
logo nos primeiros meses de vida. Todo mundo sabia que devia batizar seus filhos
na fé da Igreja Católica. E depois, devia levar os filhos para a primeira
comunhão, para a crisma, para o matrimônio religioso etc. Era tão evidente tudo
isso, que ninguém imaginava crescer e pensar de outro modo, com outras práticas
religiosas, ou sem elas até. O mundo respirava um ar cristão – de bases
católicas – no qual estávamos mergulhados e dos quais ficávamos impregnados
desde criança. Então, bastava batizar e cuidar para que a criança recebesse os
sacramentos na idade apropriada, com pequenas pausas para catequeses curtas e
bem definidas que precediam esses sacramentos. O trabalho de evangelização
ficava a cargo da família, da sociedade cristã, do mundo cristão em geral. A
Igreja se preocupava de burilar a fé, de corrigir alguns equívocos, de dar
informações importantes sobre os sacramentos, de esclarecer doutrinas. Não
fazia parte de sua lista de tarefas despertar a fé ou comunicar a experiência
cristã de Deus, propondo encontros com o Deus vivo. Este encontro era dado por
pressuposto.
Mas tudo mudou... Vivemos num mundo plural: pluralismo
cultural, religioso, ético até. As crianças não recebem mais em suas casas as
bases da fé cristã; nossos jovens não fizeram a experiência cristã de Deus no
seio das famílias; nossos adultos não conhecem mais Jesus Cristo, não sabem
mais quem ele é, a não ser por meio de um imaginário fantasioso e mítico que
restou. E quando sabem, sabem-no de modo deformado. E isso não é mal, nem bom.
É só a vida que achou outro modo de ser, de se organizar. Então, na atual conjuntura,
na qual a fé cristã não é mais obrigação, nem tradição, nem necessidade,
tornou-se urgente propor a fé, evangelizar, anunciar Jesus Cristo. Em meio a
tantas opções que o mundo nos oferece, a fé cristã é uma delas: palpável,
viável, encantadora, maravilhosa e, para nós que conhecemos o amor de Deus, a
razão de nossas vidas, a marca mais fundamental de nosso modo de viver, nossa
pérola mais preciosa.
A catequese permanente se encarrega desta tarefa: propor a
fé cristã como algo precioso e desejável. As crianças, jovens e adultos vão ter
tempo e ocasião de conhecer Jesus e seu amor libertador, vão fazer a
experiência da vida cristã na comunhão fraterna com outros irmãos de fé. E,
livremente, poderão aderir a ele, engrossando a fila dos seus seguidores, ou
poderão escolher não continuar no discipulado por não estarem convencidos de
que vale a pena segui-lo. Isso também faz parte, é normal. Hoje em dia, a fé
cristã não se impõe mais por força de argumentação, nem por vias de poder, nem
por falta de opção, nem por tradição e costumes. A fé cristã deve se impor por
sua beleza, por sua plausabilidade, pela força de sua proposta, pelo bem que
ela nos faz. A fé cristã se impõe porque o evangelho de Jesus Cristo é força
para viver, que gera um bem-estar inigualável. Para descobrir essa beleza da
vida cristã, é preciso tempo. A pressa é inimiga da fé cristã como
proposta e amiga da imposição religiosa. Na catequese permanente, o
catequizando tem tempo para conhecer Jesus e seu evangelho, tem lugar junto à
comunidade cristã para fazer sua experiência do amor de Deus, tem direito de
discernir seus caminhos e de escolher livremente seu itinerário de fé. E como a
vida não para de apresentar novos obstáculos, o cristão não cessa de crescer na
fé para sempre responder prontamente a esses desafios. A catequese permanente
propõe um mergulho na fé cristã em vez de mero curso de preparação para os
sacramentos. Para tempos com desafios permanentes, propomos uma experiência
sempre permanente e crescente do amor de Deus, porque Deus não cessa de nos
amar e de demonstrar esse amor.
Ah! E os sacramentos? Para quem entrou na dinâmica do
discipulado, do seguimento de Jesus, os sacramentos serão uma festa: uma
ocasião de estreitar os laços com Jesus e de reforçar a experiência do amor de
Deus que ele nos revela. Para quem não entrou nesta caminhada, eles não fazem
sentido!
Solange Maria do Carmo
Teóloga, Professora de Sagrada Escritura e Catequética na
PUC-Minas