sexta-feira, 1 de março de 2013


Um texto para refletir: A pipoca
A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas
o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.
Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Nunca imaginei,
entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi
precisamente isso que aconteceu.
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e
se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria
bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os
milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso
aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e
colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e
pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura.
O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma
enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros
quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam
comer.
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não
passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a
gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não
passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e
dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor
jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação
que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho,
ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo,
ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos
remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da
grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada
vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura,
fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a
transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é
capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece:
PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma
nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta
voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte
e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar
de ser de um jeito para ser de outro.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os
paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era
gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do
Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se
recusa a estourar. Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior. Piruás são
aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que
não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de
Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura
casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira.
Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém.
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não
servem para nada. Seu destino é o lixo.
Que o fogo do Espírito Santo possa estar queimando nossas cascas e fazendonos
mais maleáveis ao seu sopro. Deixa-te moldar pela Palavra viva e pelo poder de
Deus! Saia da mesmice e faça diferença em sua geração!
Rubem Alves

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