Não podemos separar Deus do sofrimento dos inocentes - José Pagola
por Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 14, 1-15,47 que corresponde ao Domingo de Ramos, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
Eis o texto.
Identificado com as vítimas
Nem o poder de Roma nem as autoridades do Templo puderam suportar a novidade de Jesus. Sua forma de entender e de viver Deus era perigosa. Não defendia o império de Tibério; chamava todos a procurar o Reino de Deus e sua justiça. Não considerava importante quebrar as leis do sábado nem as tradições religiosas; somente lhe preocupava aliviar as dores das pessoas enfermas e desnutridas da Galileia.
Mas isso não foi perdoado. Ele se identificava demais com as vítimas inocentes do império e com os esquecidos pela religião do templo. Executado sem piedade em uma cruz, nele Deus revela-se a nós sempre identificado com todas as vítimas inocentes da história. Junto ao grito de todos , eles unem-se agora ao grito da dor do mesmo Deus.
Nesse rosto desfigurado do Crucificado revela-se a nós um Deus surpreendente, que quebra nossas imagens convencionais de Deus e põe em questão toda prática religiosa que tente dar culto a Deus, esquecendo o drama de um mundo no qual se segue crucificando aos mais frágeis e indefesos.
Se Deus foi morto identificado com as vítimas, sua crucifixão converte-se num desafio inquietante para os seguidores de Jesus. Não podemos separar Deus do sofrimento dos inocentes. Não podemos adorar o Crucificado e viver dando as costas ao sofrimento de tantos seres humanos destruídos pela fome, guerras e miséria.
Deus continua interpelando-nos desde todos os crucificados do nosso tempo. Não podemos continuar vivendo como expectadores desse sofrimento tão grande, alimentando nossa ingênua ilusão de inocência. Temos que nos manifestar contra essa cultura do esquecimento que permite isolarmos dos crucificados deslocando o sofrimento injusto que há no mundo para uma distância onde desapareça o clamor, o gemido e o pranto.
Não podemos nos fechar em nossa sociedade do bem-estar, ignorando essa outra sociedade do mal-estar na qual milhares de pessoas nascem somente para extinguir-se aos poucos anos de uma vida que somente foi morte. Não é humano nem cristão nos instalar na seguridade esquecendo aos que somente conhecem uma vida insegura e continuamente ameaçada.
Quando os cristãos dirigiram seus olhos até o rosto do Crucificado, eles contemplaram o amor imenso de Deus que se entregou até a morte por nossa salvação. Se olharmos mais detidamente, logo descobriremos o rosto de muitos crucificados que, longe ou perto de nós, estão reclamando nosso amor de solidariedade e compaixão.
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