Para refletir:
Quem lidava
com Jesus na Palestina tinha dificuldade em vê-lo como presença de Deus. Seus
vizinhos diziam: Não é ele o filho do carpinteiro? Não cresceu entre nós?
Outros, que ouviam sua fama e sabiam de suas origens, até comentavam: E de
Nazaré pode vir alguma coisa boa?
Conosco
ocorre o inverso. Não conhecemos Jesus nas estradas da Palestina. Desde
pequenos vemos sua imagem nos altares, cantamos-lhe hinos de louvor, nos
ajoelhamos diante dele, adoramos sua presença na eucaristia. Nossa dificuldade
não é admiti-lo como Filho de Deus. É vê-lo como muitos o viram na sua terra
natal: um homem, alguém igual a nós. Ouvindo isso, é provável que, muito
zelosamente, alguns mais versados na doutrina se apressem a corrigir:
"Igual a nós em tudo, menos no pecado". Uma grande parte,
possivelmente a maioria, não gostará muito nem dessa correção, por achá-la
insuficiente. Dirão: Como ele pode ser diferente só por não ter pecado? Ele tem
um poder que nós não temos! Sabe tudo! Está acima dessas
coisas humanas! Há um visível mal-estar quando se menciona
que Jesus teve de aprender os hábitos e a cultura de seu povo, como todo o
mundo, que ele podia se decepcionar, ter medo, ter preferências, dúvidas, dores
e necessidades comuns humanas. Nada disso é pecado - caberia direitinho na doutrina
- mas parece humano demais para ser digno do Filho de Deus.
Por conta
desse tipo de sentimento é que os evangelhos apócrifos contam histórias fantásticas,
lendas de Jesus menino fazendo milagres de todo o tipo, como, por exemplo,
soprar passarinhos de barro que saíam voando. Para a imaginação popular, era
(é) difícil combinar a idéia de Jesus, segunda pessoa da Trindade, Filho de
Deus, com os 30 anos de vida absolutamente comum de um aprendiz de carpinteiro,
que em nada se destacou no meio de seus vizinhos. Em vez de se admirar e
agradecer pelo magnífico amor aí manifestado por Deus nesse total despojamento,
a maioria prefere imaginar um Jesus mágico, capaz de seduzir a todos com um
olhar, mostrando desde pequeno que pertence a outra realidade. Mas é bom
lembrar que, entre outras coisas, foi
principalmente por esse caráter mágico e sensacionalista que
os evangelhos apócrifos não foram assumidos como norma de fé e Palavra de Deus
pela Igreja.
Lembro que
certa vez organizamos uma tarde de oração que começava com as pessoas sendo
convidadas a rezar reunidas em grupos ao redor de uma figura de Jesus
crucificado. Uma senhora se afastou do grupo e foi rezar sozinha. A
coordenadora foi ver o que havia e ela lhe explicou que era impossível rezar
diante de uma figura tão "herética" que mostrava Jesus de rosto contraído
como se estivesse revoltado por estar sendo crucificado. Ela imaginava Jesus
sereno na cruz oferecendo seu sacrifício sem nenhum sentimento humano diante da
violência, da tortura e da solidão da cruz. Afinal, o Filho de Deus tem de
estar acima dessas coisas. Fica, é claro, sem explicação o escandaloso e
"inoportuno" grito de Jesus: "Senhor, por que me
abandonaste?".
Em outra
ocasião, uma catequista foi chamada à atenção porque estava imaginando o trabalho
que Maria deveria ter tido para criar Jesus, com todos aqueles probleminhas
comuns de criança, incluindo eventuais febres e dores de barriga. (Que criança
não tem isso?) Foi um "Deus nos acuda!", com a catequista acusada de
"desconhecer a doutrina" e faltar com respeito à pessoa divina de Jesus.
De certa
forma, é natural que isso aconteça. A Encarnação é tão escandalosa que fugimos dela
criando uma imagem etérea de Jesus. É que aí a "loucura" de Deus
passou mesmo dos limites. Admitir a total humanidade de Jesus parece um
desrespeito porque há coisas em nossa vida que consideramos "menos
dignas", mesmo que não sejam pecado e sejam absolutamente normais, humanas
e até inevitáveis na vida diária. Esquecemos que a nossa própria natureza
humana é obra de Deus e não pode ser pouco digna.
No entanto,
é justamente na Encarnação total, sem faz-de-conta, no pequeno e no grande da vida
humana, que o amor de Deus manifestado em Jesus ganha toda a sua surpreendente,
desconcertante magnitude! Aí reside o tesouro maior da nossa fé, uma
demonstração tão grande do desejo de salvação, que nem conseguimos contemplá-la
por inteiro, sem desvios. O poeta evangélico Rubem Alves, numa meditação sobre
o Pai Nosso, descreve com muita ternura a beleza que é o menino Jesus precisar
do leite de Maria para não passar fome. Ele diz que o Natal é uma espécie de
"eucaristia ao contrário": na eucaristia nós nos alimentamos do corpo
de Deus, no Natal Deus precisa de um corpo humano, o corpo de Maria, para se
alimentar. Depois de crescer, Jesus vai continuar precisando de ajudas humanas
tanto para se sentir feliz como para realizar sua missão: precisa do
acolhimento de Marta e Maria, da amizade de Lázaro, dos amigos que lhe preparam
o local da ceia, da mulher que o cobre com perfume, das casas que o acolhem na
qualidade de pregador itinerante, da lealdade daqueles que escolheu para
continuar o trabalho, do barco dos pescadores do mar da
Galiléia, do camponês de Cirene que o ajudou a carregar a cruz, de José de
Arimatéia, que lhe ofereceu uma sepultura...
Therezinha Motta Lima da Cruz
Vamos perguntar:
1. Quem é Jesus pra mim? Olhando para sua pessoa, o que mais
me chama a atenção?
2. Qual a imagem de Jesus que a nossa catequese transmite?
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