Irmãs e irmãos da comunidade de Mateus,
Quero conversar com vocês como se estivéssemos uns diante
dos outros e vocês fossem conterrâneos deste início de século conturbado e tão
carente de esperanças. No começo, pensei em escrever uma carta pessoal a
Mateus, mas nenhum livro da Bíblia é de cunho somente individual. Além disso,
embora desde os tempos mais antigos todos atribuam a Mateus a honra de ser o
redator deste livro, nem ele assinou nem chama o texto de Evangelho (como
Marcos inicia dizendo: "Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de
Deus"). Então, escrevo a vocês da comunidade, que participaram da
experiência que gerou o texto de Mateus.
(...)
Ao contar a visita dos magos a Jesus Menino, vocês não
pretendiam narrar um relato histórico ou um fato jornalístico. Quiseram
significar o encontro de Jesus com os outros povos e culturas. Fizeram isso
comentando textos bíblicos como Isaías 60, o salmo 72 e a profecia de Balaão
(Nm 22-24). Vocês os comentam como os rabinos faziam, contando histórias (midrash), e
nos presentearam esse relato tão bonito.
O poema do discípulo de Isaías (Is 60) e, talvez, mesmo o
salmo vêm de uma época na qual Jerusalém estava sendo reconstruída. Os
recursos eram poucos e, em comparação ao que era antes de ser destruída pelos
babilônios, era uma aldeia. O profeta vê o sol nascer sobre a cidade e proclama
a promessa de Deus de que, um dia, Jerusalém será luminosa e cheia de glória e
os reis das nações a ela acorrerão trazendo presentes. Num contexto de
sofrimento e de revalorização da identidade do povo pobre, aquela visão nada
tinha de etnocentrismo. Era universalista. Aplicando essa profecia aos magos
que vêm homenagear a criança pobre que nasceu em Belém, vocês a tornam mais
universal ainda.
Embora não tenham dito que os magos eram reis e santos, como
a tradição soube acrescentar, vocês contaram que eles gostavam das estrelas e
vieram de longe, do oriente, atrás de uma estrela e em busca do Rei dos judeus
que acabara de nascer neste mundo.
Com esse novo comentário narrativo de textos bíblicos (mídrash), desde
o início do Evangelho, vocês associam as culturas e religiões diferentes à
busca de Deus, ao reconhecimento de Jesus como "Rei dos Judeus" e ao
acolhimento do Reino de Deus (ou dos céus, como vocês o chamam).
Na cultura judaica na qual a comunidade estava inserida, não
deve ter sido fácil para vocês reconhecerem que até a astrologia e a
interpretação dos sonhos podem conduzir pessoas como os magos ao Senhor.
(Chouraqui chama os magos de "astrólogos''). Na região da Síria e da Ásia
Menor era praticada a religião do deus Mitra. Era um sincretismo de antigos
cultos ao sol. Os fiéis de Mitra contavam que o seu deus nasceu numa caverna na
noite de 25 de dezembro (solstício do inverno e festa do sol que renasce do
frio e da escuridão das noites cada vez mais longas). Aliás, por acaso, os
sacerdotes de Mitra se chamavam "magos", porque eram homens que
lidavam com os astros e com os mistérios da vida.
Será que, ao contar a bela história dos magos que vieram a
Belém adorar o menino Jesus, vocês quiseram assumir algo da história de Mitra e
transpô-la para o contexto cristão? Hoje, falamos muito de inculturação. Mas
ainda há muitos bispos e pastores que têm preconceito contra sincretismo. Será
que, nessa história, vocês da comunidade de Mateus queriam nos ensinar que há
um tipo de sincretismo que é válido e compreensível?
(Fonte: http://www.cebi.org.br)
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